Bem Doida!

segunda-feira, maio 08, 2006

Passaredo

O céu estiou sem abrir as nuvens e a manhã ganhou uma atmosfera distinta, contrastando as cores vivas do que está sobre o chão com as cores cinzentas do que nos cobria as cabeças. A parca luz que varava as nuvens não era suficiente pra se ver refletida nas superfícies, mas bastava para banhar a todos, ainda não-secos da chuva e deixar-nos todos imersos numa atmosfera diáfana e argêntea.

Do outro lado da rua, o motoqueiro parado acena ao mecânico e este desvia os olhos do motor de meu carro para retribuir a graça e, quase como que pedindo desculpas, volta-se para mim, explicando "É louco este". Miro o olhar na atmosfera cinzenta e vejo o rapaz ainda acenando aos outros, ao homem da mercearia, à mulher que está à janela, à moça que varre a calçada, às senhoras da pequena vila de casas que cortava o quarteirão desembocando perpendicularmente na oficina mecânica. Agora com platéia, aperta a buzina e um som como um trinado metálico preenche o ambiente. Um pássaro qualquer responde ao longe, na vila, e ele arqueia os sobrolhos, abrindo os olhos e alargando o sorriso. Mais um aperto na buzina e outra resposta se soma ao canto do primeiro pássaro. O sorriso se desfaz e ele coloca o capacete com uma postura que lembra a de um cavaleiro medieval que se prepara para um embate mortal. A mão na buzina e a motocicleta lentamente virando em direção à entrada da vila.

Havia um silêncio respeitoso nos cenhos dos que responderam aos acenos e agora observavam o motociclista como quem prepara-se para assistir a um espetáculo. A moto inicia a emissão do trinado metálico e, em segundos, gorjeios, palrices, pios, chalreios, agloteios e outros cantos de resposta inundam todo aquele ar, quase numa sinfonia, numa organização inteligente de sons onde o condutor da moto era maestro. A luz passava rala pelas nuvens e os trinados ainda se ouviam ao longe, encerrando os últimos acordes do coral de pássaros e, enquanto os meus olhos inundavam de perplexidade infantil, todos os outros voltavam aos seus afazeres. Aquilo já era cotidiano. "É louco, né?" me trouxe à realidade o mecânico e eu nunca me senti tão infeliz por ser normal.

2 Comments:

  • olha aí... quase o que eu disse no post anterior... hehehe

    By Blogger Eduardo Novais, at 8:19 AM  

  • Gabs pega os posts da gente e torna tudo tão sensivel... eu ainda tô com cara de tacho por causa da música da chuva. hahahahahaha

    beijo gabs!!!! :*

    By Blogger s a r a, at 12:31 AM  

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