Bem Doida!

sábado, outubro 19, 2002

É que o brasileiro ainda tem a cultura de ter uma empregada doméstica.
Não vou dizer que acho a melhor coisa do mundo, ainda mais quando lembro da última que saiu daqui, que queria saber de tudo. Entrava quarto adentro enquanto eu estudava, para relatar todos os crimes que escutara no João Inácio Júnior. A mamãe não podia mais pintar sossegada, bordar sossegada, ler o jornal de manhãzinha, agüar as plantinhas, nada.
Mas não vou mentir que é muito bom sair de casa para a faculdade e deixar a cama que é um chiqueiro e quando voltar estar tudo tão arrumadinho que se uma moeda cair sobre a colcha vai pular lá longe. Sem falar que, na falta de alguém, a mamãe que cozinha. E não queira ouvir as queixas enormes do tipo eu trabalhei trinta e cinco anos para ficar agora fazendo comida para vocês três que não tiram nem a toalha de cima da cama.
É triste.
Já teve a Sílvia Branca, que ganhava os tubos vendendo Avon e Natura, saía daqui toda maquiada no sábado de manhã e só voltava na segunda, com nem metade das sacolas que tinha levado. Quando todo mundo começou a notar que ela podia estar roubando, foi o jeito mandar a bichinha ir embora. A mamãe, tão boazinha, mesmo sabendo que estava zelando pelo bem da família, quase morre de vergonha de despedir a menina.
Teve a Sílvia Preta, irmã do Henrique, que já era faxineiro daqui de casa, que chamava a mamãe de Gatinha, o papai de Gatinho, e chorava para se acabar quando o Pirulito não ligava. Pirulito, claro, era o namorado dela. Quando estava no auge da paixão, chamava-o de Meu Bombonzinho. Um dia saiu para comprar Derby e nunca mais voltou.
Já passou aqui a Cris, que chorava horrores vendo Marisol, no SBT, e depois que acabava a novela, ela se trancava no quarto para fantasiar com mocinhas e bandidos de teledramas mexicanos. E a mamãe rezando novenas e se perguntando Meu Deus o que foi que a gente fez de mal, será que eu joguei pedra na cruz para atrair tanta gente doida?
Já passou a Claudinha, que podia estar vigiando o leite no fogão, mas, se a gente chamasse a primeira sílaba do nome dela, largava tudo e ia ao nosso encontro. E o leite derramava, e ela se lamentava até se acabar. Se todo mundo chamasse ela de uma vez, era um destroço. Só se ouvia os passinhos dela no corredor de um lado ao outro, desesperada porque era só uma.
Passou outras de cujo nome me esqueci porque passaram tão pouco tempo...
Depois foi a Vanda, que da primeira vez que viu a Lua, ficou comentando que ela comia pouco, que ela só comia batata doce, se ela tinha mesmo nascido no Acre. Era essa que entrava no quarto sem bater.
E, quando a gente está acostumado a comer ovo frito, filé é comida estranha.
E agora tem a Nena, que é discreta, limpíssima, rápida, educada, tem boa dicção, é organizada e tem a comida ótima.
E como a mamãe é caridosa, não dou nem dois meses para arranjar outro emprego para a Nena, alegando que ela é competente demais para estar na beira de um fogão fazendo comida para quatro incompetentes que nem tiram a toalha de cima da cama.